Introdução
Sem nos deixar levar pelo fanatismo cego, que infelizmente atinge a muitos, entendemos que na Bíblia ao lado das ordenações divinas, Moisés ditou várias outras leis, umas de cunho estritamente social, enquanto outras estavam relacionadas aos rituais religiosos, mas que, para ficarem investidas de uma maior autoridade, ele deixava-as passar como tendo sido provindas do próprio Deus.
Neste estudo que ora estamos fazendo, iremos analisar todos os Dez Mandamentos e demonstraremos que até neles existe algo que não podemos em sã consciência atribuir como promanando da divindade.
Um problema que deparamos é realmente saber qual dos Dez Mandamentos estão de acordo com a Bíblia, visto a divergência que existe sobre eles entre as correntes religiosas. Por isso, iremos recorrer aos textos que constam da Bíblia para saber exatamente como eles se encontram narrados no capítulo 20 de Êxodo, versículos 2 a 13 (são repetidos em Deuteronômio 5, 6-21).
Entretanto, e para nossa maior surpresa, não é da forma que se encontram nas passagens bíblicas que as correntes religiosas no-los passam. Nota-se claramente que, em alguns casos, não são nem os mesmos termos que constam da Bíblia, apesar de sempre afirmarem que não devemos mudar em nada os Textos Sagrados. Podem alegar em sua própria defesa que o sentido é o que dizem, entretanto, podemos também argumentar que quando citamos os Dez Mandamentos devemos enumerá-los tais e quais os textos da Bíblia, já que não se trata de interpretação, mas apenas de uma citação literal.
Devemos ter em mente que um mandamento, para ser divino, deverá atender a pelo menos três requisitos básicos, quais sejam:
- Atemporal; que pode ser aplicado em todos os tempos, visto ser imutável;
- Universal; aplicação indistinta a todos os povos;
- Imparcial; atingir a todos da mesma maneira.
Assim, uma determinada lei que possa ir contra qualquer um desses requisitos, não será nunca uma lei proveniente de Deus, mas apenas leis feitas pelas “mãos” dos homens.
1º - Amar a Deus sobre todas as coisas.
Em Êxodo 20, 2-3: Eu sou o Senhor teu Deus, que te libertou do Egito, do antro de escravidão. Não terás outros deuses além de mim.
É, sem dúvida alguma, uma Lei Divina, pois nós, seres humanos, sendo criados por Deus, devemo-Lhe por gratidão todo o nosso amor. Essa Lei foi confirmada por Jesus, como o primeiro mandamento a ser cumprido.
Só existimos por ato de sua vontade e amor.
E, pela ordem do Universo, não podemos admitir vários deuses, devemos somente a Ele adorar.
2º - Não fazer imagens para adoração
Em Êxodo 20, 4-5: Não farás para ti ídolos, nem figura alguma do que existe em cima, nos céus, nem embaixo, na terra, nem do que existe nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles, nem lhes prestarás culto, pois eu sou o Senhor teu Deus, um Deus ciumento. Castigo a culpa dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas uso de misericórdia por mil gerações para com os que me amam e guardam meus mandamentos.
Percebe-se, claramente, que nem todas as correntes religiosas têm isso como integrante dos Mandamentos, já que necessitam justificar os “ídolos” (imagens) a que prestam culto, embora queiram dar outro nome para esse tipo de “adoração”.
E, assim, a questão das imagens, colocada no versículo 4, acabou tornando-se um motivo de controvérsia religiosa, entre aqueles que veneram imagens e os que, apoiados nesse versículo, não admitem de forma alguma tal veneração. Inclusive, há pouco tempo atrás, num canal de TV, assistimos, constrangidos, a um determinado líder religioso, numa atitude que demonstra uma completa falta de respeito e caridade cristã, chutando uma imagem religiosa. Perguntamos se Jesus, a quem dizem seguir, fez algo semelhante?
Respeitamos todos os pensamentos, mas a nosso ver, o Deus do Universo nunca se preocuparia com uma coisa insignificante dessa. Achamos que o homem tem para si que Deus é apenas o Deus da Terra e não de um Universo infinito. Se, por um momento pararmos para analisar a nossa ignorância a respeito do Criador do Universo, talvez não iríamos pensar que Ele iria ter uma atitude tão nesquinha dessa. Ao contemplar o céu numa noite bem estrelada, diante dos bilhões de astros, fora os que não se encontram no nosso campo de percepção, ficaremos deslumbrados diante da extrema grandeza do Universo, e só após isso, é que podemos mensurar sobre quem é o autor disso tudo. Aí, sim, é que teremos uma tênue idéia da grandeza do autor. E, depois disso, pensarmos que Ele estaria preocupado com imagens seria pura infantilidade.
Entretanto, cremos que, tudo isso tenha um motivo determinado. Ora, Moisés querendo impor ao povo hebreu a idéia de um Deus único, necessitava afastar daquele povo tudo o que poderia causar algum tipo de embaraço a tal idéia, e assim, não teve outra alternativa, a não ser proibir a adoração das imagens, já que isso era coisa muito comum naquela época, pois quase todos os deuses eram representados por ídolos, para que o povo pudesse adorá-los. Devemos entender que não tinham evolução espiritual suficiente para adorarem um Deus invisível.
Se admitirmos que isso seja realmente uma ordem divina, estaremos admitindo que Deus é incoerente já que em outras oportunidades manda exatamente que se façam imagens, senão vejamos:
1 - Êxodo 25, 18-19: “Farás dois querubins de ouro polido, nas duas extremidades do propiciatório; um de um lado e outro do outro lado, de modo que os querubins estejam nos dois extremos do propiciatório”.
Se formos consultar o “Aurélio” encontraremos que querubim é um ser da classe dos anjos, entretanto, à época da narrativa bíblica, o seu significado consistia de nada mais, nada menos, que um ser da mitologia babilônica, metade homem e metade animal. Era, portanto, um ser misto, representado com rosto humano e corpo de leão ou touro ou outros quadrúpedes com asas, vindo a ser, portanto, uma espécie de esfinge.
Assim, fica também configurado um absurdo: que Deus contrariando sua determinação anterior, tenha mandado fazer dois querubins, seres da mitologia babilônica, e, não bastasse isso, tinha que ser de ouro puro.
2 - Números 21, 8-9: “O Senhor lhe respondeu: ‘Faze uma serpente venenosa e coloca-a sobre um poste. Quem for mordido e olhar para ela, ficará curado’. Moisés fez uma serpente de bronze e a colocou sobre um poste. Quando alguém era mordido por uma serpente, olhava para a serpente de bronze e ficava curado”.
Sabemos que a serpente na Antigüidade, era o símbolo da divindade de cura. Assim, mais uma vez, Deus, o contrário ao que havia dito antes, manda fazer uma imagem. E, para piorar ainda mais as coisas, essa imagem era o símbolo de uma divindade de cura. Talvez seja por isso que a medicina tenha tomado para seu símbolo duas serpentes envoltas num poste. E,a respeito dessa serpente de bronze que Moisés colocou num poste, o povo acabou por fazer dela um ídolo e por a adorar por 700 anos.
E quanto ao versículo 5º, onde se diz que Deus castiga a culpa dos pais nos filhos até à terceira ou quarta geração, é mais um outro absurdo. Uma vez que disso somos forçados a supor que Deus não seja tão justo quanto o ser humano, já que nossa justiça jamais admite que a culpa passe além de quem cometeu o delito. Mas por outro lado, também, se torna incoerente com essa outra determinação divina contida em Deuteronômio 24, 16: “Os pais não serão mortos pela culpa dos filhos, nem os filhos pela culpa dos pais: cada um será morto por seu próprio pecado”.
Somente por estas duas passagens já podemos questionar a tal de “inerrância” da Bíblia, como querem alguns fanáticos cegos, que se apegam só aos textos que lhes convêm, e passando a passos largos sobre os que não lhes interessam.
Mas, talvez digam que são apenas duas passagens. Como, pois, ser tão radical neste ponto? Entretanto, no conceito que temos de Deus, não podemos supô-Lo mutável ou contraditório em qualquer uma das suas determinações, uma mínima que seja, já que isso não se coaduna com a perfeição absoluta. E, além do mais, essas duas estão entre várias outras que numa análise desapaixonada podemos encontrar na Bíblia.
3º – Não tomar seu santo nome em vão.
Em Êxodo 20, 6: Não pronunciarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque o Senhor não deixará impune quem pronunciar seu nome em vão.
Embora devemos ter todo o respeito ao nome de Deus, ficamos a pensar se realmente isso poderia ser uma ordem divina ou se seria fruto do pensamento cultural da época.
Lemos em Êxodo 3, 15: “Deus disse ainda a Moisés: ‘Assim falarás aos israelitas: é Javé, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó, que me envia junto de vós. – Este é o meu nome para sempre, e é assim que me chamarão de geração em geração’”. Diante disso, perguntamos: Se Deus diz que seu nome é Javé, e que seria assim que deveríamos chamá-Lo, por que motivo nós não o chamamos pelo seu nome? Ou as determinações divinas fora dos Dez Mandamentos não devem ser cumpridas?
4º – Guardar o dia de sábado
Em Êxodo 20, 7:Lembra-te de santificar o dia do sábado. Trabalharás durante seis dias e farás todos os trabalhos, mas o sétimo dia é sábado dedicado ao Senhor teu Deus. Não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu gado, nem o estrangeiro que vive em tuas cidades. Pois em seis dias o Senhor fez o céu e a terra, o mar e tudo que neles há, mas no sétimo dia descansou. Por isso o Senhor abençoou o dia do sábado e o santificou.
Ora, é comum vermos este Mandamento da seguinte forma: Guardar os domingos e festas. Vejam que além de mudarem as determinações divinas (sábado para domingo), acrescentam coisas que nem estavam lá, como é o caso das festas.
Aqui é necessário buscarmos o sentido da letra, para podermos entender esse Mandamento. Existe uma necessidade fisiológica, tanto no homem quanto nos animais, que é o descanso, de vital importância para se recomporem suas energias, caso contrário, poderão morrer de esgotamento.
A inspiração divina foi captada com certeza. Entretanto, as palavras utilizadas para registrarem-na podem não trazer o sentido exato dela, pois correspondem à evolução cultural e espiritual de quem a recebeu.
Para o homem além da necessidade física, podemos também perceber uma outra de natureza religiosa, ou seja, a importância de se reservar um dia para que as pessoas pudessem se dedicar às suas atividades religiosas. Sem esse Mandamento, fatalmente iria ocorrer que, além da exploração do trabalhador, haveria grande dificuldade para que uma pessoa viesse a se aprimorar espiritualmente, já que lhe faltaria tempo para se dedicar a isso.
5º – Honrar pai e mãe.
Êxodo 20, 8: Honra a teu pai e a tua mãe, para que vivas longos anos na terra que o Senhor teu Deus te dá.
Podemos notar a importância desse Mandamento na recompensa prometida para quem o cumprir. Os judeus imaginavam que uma vida longa aqui na Terra era sinônimo de estar nas graças de Deus, pois nada sabiam ou compreendiam da realidade espiritual. Como só aceitavam a vida física, nada mais lógico para eles que viver muito tempo, o que lhes significava um prêmio. Podemos perceber isso, claramente, na Bíblia, quando em suas narrativas encontramos pessoas tendo um longo período de vida. Temos, por exemplo, os que viveram: 840 anos, 810 anos, 895 anos, 962 anos e 979 anos, o que, se entendermos na literalidade, iria contrariar o que consta de Gêneses 6, 3: “E o Senhor disse: Meu Espírito não ficará para sempre no homem, porque ele é apenas carne. Não viverá mais do que 120 anos”.
Sabemos também, que mesmo se não fosse uma Lei Divina, é nosso dever honrar aos nossos pais, já que são eles que nos proporcionam essa nova reencarnação, ao procriarem o nosso corpo físico. Vemos, neles, co-criadores, que “entregam” a Deus um novo corpo físico para que um espírito venha a ter uma nova oportunidade de crescimento e aprendizado, pela porta da reencarnação.
A eles devemos a nossa educação, principalmente a moral, e, se não puderam dar mais deles para nós, é porque, muitas vezes, nós espíritos rebeldes, não lhes damos ouvidos. Tudo que fazem a nosso favor, o fazem por amor. Quantas vezes, nos revoltamos contra eles, quando éramos adolescentes, mas, ao nos tornarmos maduros, não somente sermos adultos, compreendemos que tudo o que nos fizeram não faltou o ingrediente do amor. Se voltarmos no tempo para lembrarmos as vezes que passaram noites inteiras sem dormir, preocupados com nosso estado de saúde, quando até mesmo uma simples gripe, para eles, era motivo de preocupações, dar-lhes-íamos mais respeito e mais valor. Quanto é significativo o carinho com que nossa mãe nos carregou no colo, oferecendo seu peito para que sugássemos o leite materno de importância vital para o nosso desenvolvimento físico e até mesmo emocional. São tantas coisas que devemos aos nossos pais, que seremos totalmente ingratos, se não tivermos para com eles todo o respeito que merecem.
6º – Não matar.
Em Êxodo 20, 9: Não matarás.
É exatamente neste mandamento que podemos confirmar que Moisés, ao lado das Leis Divinas, colocou várias outras. Mas, para dar maior valor a elas de maneira que o povo as seguissem cegamente utilizou, para isso, da estratégia de dizer que eram provenientes de Deus. Não podemos condená-lo por isso, pois não havia outro meio de moralizar um povo bruto e ignorante, como o de sua época.
Vejamos então, algumas citações bíblicas para confirmar isso. Recorremos ao capítulo 21 de Êxodo:
12. Quem ferir mortalmente um homem, será punido de morte.
15. Quem ferir o pai ou mãe, será punido de morte.
16. Quem seqüestrar uma pessoa, quer a tenha vendido, ou ainda se encontre em seu poder, será punido de morte.
17. Quem amaldiçoar o pai ou a mãe, será punido de morte.
E em Êxodo 22, encontramos mais ainda:
17. Não deixarás com vida uma feiticeira.
18. Quem tiver relações com um animal, será punido de morte.
19. Quem oferecer sacrifícios aos deuses, e não unicamente ao Senhor, será condenado ao extermínio.
Bom, só por aí já podemos verificar que, se tudo isso for realmente Mandamento Divino, onde fica o “Não matarás”? Seria, podemos admitir, Deus agindo com incoerência, o que a nosso ver, repetimos, é inegavelmente um absurdo.
Quem sabe se a vergonhosa Santa Inquisição, que de Santa não tinha nada, não tenha se baseado nisso para levar à fogueira os hereges e as feiticeiras?
Mas, para uma compreensão mais racional da Bíblia, devemos levar em conta os fatores culturais relativos ao povo e a época do acontecimento. Assim, considerando que a legislação de Moisés foi ditada, quando o povo hebreu se encontrava no deserto, e não os esqueçamos que nele permaneceram por 40 anos, fica fácil entendermos que, como não havia construções em alvenaria, para se colocar nelas, em reclusão, os criminosos e, nessa circunstância, não havia como ficarem pessoas apenas vigiarem-nos, era mais cômodo, quem sabe até mesmo recomendável, que a morte fosse a pena para todos os crimes, não é mesmo?
Entretanto, admitir que tais leis venham de Deus é que não seria racional e lógico.
7º – Não adulterarás.
Em Êxodo 20, 10: Não cometerás adultério.
Esse Mandamento, algumas vezes, o encontramo-lo da seguinte forma: “Não pecar contra a castidade”. Ora, castidade não tem o mesmo significado que adultério. Sendo a castidade definida como abstinência total dos prazeres sexuais. E pergunto se as pessoas casadas estariam infringindo tal lei? Ou não seria uma lei para, de certa forma, justificar o celibato?
O significado de adulterar: 1. Falsificar, contrafazer: 2. Corromper, viciar, deturpar, deformar. 3. Mudar, alterar, modificar, podendo ainda corresponder a cometer adultério, ou seja, infidelidade conjugal.
Antigamente, poderiam vê-lo somente quanto à questão da infidelidade conjugal, visto o machismo do povo hebreu. Mas, modernamente, poderemos compreendê-lo também com um significado mais amplo, e o próprio Jesus o utilizou dessa maneira (Marcos 16, 4: Uma geração má e adúltera pede um sinal, e nenhum sinal lhe será dado, senão o sinal do profeta Jonas.). Quando apresentaram a Ele a adúltera, pedindo-Lhe a opinião sobre o que deveriam fazer a ela, sabiam que pela Lei Mosaica ela deveria ser apedrejada. Entretanto, por que nada disseram sobre o adúltero, quando se sabe que não poderia uma mulher cometer adultério sozinha? Isso, sem dúvida, reflete também a cultura da sociedade machista da época
8º – Não furtar.
Êxodo 20, 11: Não furtarás.
A questão de se apropriar indevidamente do que não nos pertence faz parte do respeito que devemos ter para com nosso próximo. Por outro lado, isso sanciona o direito que cada um tem de possuir alguma coisa, desde que a obtenha por vias legais e éticas.
Entretanto, cabe à sociedade como um todo a incumbência de levar a todos os seus membros o ensino público, onde também os valores da ética e da moral deverão fazer parte do programa de aprendizado do aluno. Falindo nesse aspecto, a conseqüência é inevitável, já que indivíduos sem esses valores acabam por se tornarem em delinqüentes de todas as espécies.
9º – Não levantar falso testemunho.
Em Êxodo 20, 12: Não levantarás falso testemunho contra o próximo.
Fundado principalmente numa questão de justiça, é inegável que se trata de um preceito natural, portanto, divino.
Um pouco atrás, falamos do período da Inquisição, e sabemos que durante ela esse Mandamento não era tido como divino, já que não faziam a menor questão de aplicá-lo.
10º - Não desejar a mulher do próximo nem cobiçar nenhum de seus bens.
Em Êxodo 20, 13: Não cobiçarás a casa do próximo, nem a mulher do próximo, nem o escravo, nem a escrava, nem o boi, nem o jumento, nem coisa alguma do que lhe pertence.
É comum vermos esse Mandamento desmembrado em dois: Um como o nono mandamento: Não desejar a mulher do próximo e o outro, como décimo: Não cobiçar as coisas alheias.
Falamos um pouco atrás que as determinações de Deus devem ser atemporais, universais e imparciais. Se formos fazer uma análise do texto bíblico, utilizando desses critérios, chegaremos à conclusão que este não passa por esse crivo.
A sociedade machista em que se constituía o povo hebreu é a única coisa que encontramos para justificar a questão de “não cobiçar a mulher do próximo”. Veja que seria um absurdo admitir que a mulher do próximo poderia desejar o marido da outra, já que isso não está explicitamente proibido. E o que não é proibido é permitido. Mas, se bem analisarmos a questão, o desejar a mulher do próximo ou o marido da próxima, ela já estaria no contexto do “não adulterarás”, assim ficaríamos com duas ordens divinas para a mesma situação. Voltando ao que já dissemos anteriormente, devemos entender os fatores culturais da época. Assim, podemos perceber que o que se encontra listado nessa passagem reflete apenas o que, para época, era de suma importância para aquele povo. Veja, por exemplo a questão do escravo. Qual o sentido de sua aplicação nos dias de hoje? Poderemos cobiçar a “Mercedes” do próximo? O jumento era um meio de transporte muito utilizado na época, entretanto, hoje utilizamos o carro, como ficaria, pois, a aplicação literal desse Mandamento?
Quanto à questão da mulher, ela era tida como propriedade do homem, talvez, assim considerada, por causa da narrativa bíblica de sua criação. Já que, pela Bíblia, Deus criou o homem primeiro, para só depois resolver dar-lhe uma companheira. Mas, ao invés de criá-la também do barro, donde veio o homem, como consta da Bíblia, toma-a da costela do homem. O significado disso tudo realça que a mulher não tinha valor algum, e até para ser criada, foi dependente do homem. E será que isso foi orientado por Deus, ou Ele, também, era ainda muito atrasado, como o era a Humanidade daquele época? É óbvio que tudo isso tem muito a ver com o homem, e não com a Inspiração Divina, pois Deus é imutável, sendo sempre o mesmo, ontem, hoje e sempre.
Outra conclusão interessante desse machismo hebreu daquela época vamos encontrar em dois castigos para a mulher (Eva), registrados em Gêneses 3, 16: “...e o teu desejo será para o teu marido”, e “...e ele te dominará”. É desnecessário qualquer outro comentário.
Os Dez Mandamentos na codificação.
Kardec, pergunta aos Espíritos superiores, conforme consta do Livro dos Espíritos (LE):
Perg. 614 – Que se deve entender por Lei Natural?
R – A Lei Natural é a Lei de Deus é a única verdadeira para a felicidade do homem. Ela lhe indica o que deve fazer e o que não deve fazer, e ele não é infeliz senão quando se afasta dela.
Perg. 615 – A Lei de Deus é eterna?
R – Ela é eterna e imutável quanto o próprio Deus.
Perg. 621 – Onde está escrita a Lei de Deus?
R – Na consciência.
No desenvolvimento das Leis Naturais (Leis Divinas), vemos uma certa correspondência com os Dez Mandamentos. São também em número de dez, quais sejam:
I – De Adoração
É a elevação do pensamento a Deus. Pela oração, a alma se aproxima dele (perg. 649 LE).
II – Do Trabalho
O trabalho é uma Lei Natural, por isso mesmo é uma necessidade e a civilização obriga o homem a trabalhar mais porque aumenta suas necessidades e seus prazeres (Perg. 674 LE).
III – Da Reprodução
Sem ela o mundo corporal pereceria (Perg. 686 LE).
IV – De Conservação
O instinto de conservação é dado a todos os seres vivos, qualquer que seja o grau de sua inteligência. Em uns, ele é puramente maquinal, em outros ele é racional (Perg. 702 LE).
V – De Destruição
É preciso que tudo se destrua para renascer e se regenerar, porque o que chamais destruição não é senão uma transformação que tem por objetivo a renovação e melhoramento dos seres vivos (Perg. 728 LE).
VI – De Sociedade
Deus fez o homem para viver em sociedade. Deus não deu inutilmente ao homem a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação (perg. 766 LE).
VII – Do Progresso
O progresso é lei natural, cuja ação se faz sentir em tudo no Universo, não sendo admissível, por conseguinte, possa o homem frustrá-la ou contrapor-se-lhe.
VIII – De Igualdade
Todos os homens são iguais diante de Deus, todos tendem ao mesmo fim e Deus fez suas Leis para todos (perg. 803).
IX – De Liberdade
O homem é, por natureza, dono de si mesmo, isto é, tem o direito de fazer tudo quanto achar conveniente ou necessário à conservação e ao desenvolvimento de sua vida. Essa liberdade, porém, não é absoluta, e nem poderia sê-lo, pela simples razão de que, convivendo em sociedade, o homem tem o dever de respeitar esse mesmo direito em cada um de seus semelhantes.
X – De Justiça, de Amor e de Caridade
A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um. Amai-vos uns aos outros disse Jesus. Caridade é benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias e perdão das ofensas.
Conclusão
Pode alguém ficar escandalizado com algumas coisas que estamos dizendo, entretanto, é bom que se diga que Jesus, de certa forma, modificou os Dez Mandamentos. Fez uma síntese deles, que não há como contestá-los mais. Encontramo-la em Mateus 22, 36-40: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei? Respondeu Jesus: ‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo teu espírito. Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás teu próximo como a ti mesmo. Nesse dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas’”.
Quem ama verdadeiramente seu próximo, não mata, não rouba, não cobiça, enfim, nada faz que seja contra este outro ensinamento de Jesus: Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Acrescentando: Esta é a Lei e os Profetas. (Mateus 7, 12).